domingo, 4 de agosto de 2013

O inevitável


"Inevitável. A palavra certa é inevitável e lembro-me que foi essa a palavra que me ocorreu enquanto te abraçava e tu me abraçavas a mim. Era forçoso que assim fosse, não porque o quisesses tu ou o desejasse eu. Não porque não te amasse, ou porque não me quisesses tu. Simplesmente tinha de acabar, de uma forma ou de outra e, sendo assim, antes terminasse com um abraço. Mas tinha que acabar. São coisas que não se explicam, ou que, tendo explicação, não podem justificar-se recorrendo às equações da lógica. Eu amo-te, tu amas-me; logo: separamo-nos. Tu vais e eu fico. Sofres tu e eu sofro também, porque tem mesmo que ser assim e não podia ser de outra maneira. E, se calhar, tinhas razão – o amor é mesmo para os parvos."


  
Manuel Jorge Marmelo, in O Amor é para os parvos


*








* na vastidão a perder de vista de uma cama, há dois corpos encolhidos à procura de dono. como dois transeuntes que se encontram na faixa de pedestres: cada um ao lado do outro e cada um a milhas do outro.
"gostava de amar-te como da primeira vez, saber o teu toque como sei de Deus, sentir que os teus lábios me contavam a vida."

"no começo havia o espaço entre nós cheio de palavras: tu contavas o que sentias, o que fazias; eu contava o que sentia, o que fazia. e depois chegava o amor com a naturalidade com que agora chega o sono. em que ponto de nós o amor foi substituído por sono?"
deitaram-se com palavras por dizer e ambos sabiam que o final era já ali - nada a dizer quando há nada a sentir.
"o pior do amor é a recordação do amor: saber que já foi tão grande, saber que já foi tão intenso, saber que já abalou todos os alicerces e que agora nem o sexo é capaz de levantar. o pior do amor é o momento em que ele, não acabando, está acabado."
ela abraça-o, tenta a tentativa absurda de continuar tudo como dantes.
"antigamente o abraço bastava. antigamente apertava-te o abraço e tudo o resto ficava espremido, perdido na asfixia proibida do que nos unia. antigamente éramos do tamanho do nosso abraço."
ele deixa-se abraçar, simula o seu próprio abraço. e deixa-se adormecer pela derrota.
"queria que houvesse outra vez a sensação incorruptível de precisar-te em mim. queria outra vez o meu corpo todo rendido à espera do teu. queria sentir-me vivo para te sentir viver."
ela desiste. sente que é a única a tentar e deixa-se resignar. vira-se para o lado e dedica-se a chorar. vira-se para o outro lado e dedica-se a recordar.
e os olhos fecham, lado a lado. ele sonha com a mulher que nunca vai ter; ela sonha com o homem que já teve. e é assim que, sem o saberem, se têm pela última vez.
"amo-te, mas preciso acordar" – foi o que ele, pela manhã, cheio de coragem, teve a coragem de dizer.
"amo-te, mas já deixei de acreditar" – foi o único que ela, resignada, foi capaz de responder.

Pedro Chagas Freitas

Nenhum comentário:

Postar um comentário