segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Vozes do indizível

De que armas disporemos se não destas que estão dentro do corpo? Quando publiquei o meu primeiro livro, o meu pai disse-me: "Colocaste uma arma no peito, apontada a ti própria". Desde então, a escrita passou a ser arma de me salvar. Dentro do meu corpo.
É preciso beber no deserto a sede do deserto. Usar a insubmissão como arma. Atenta e expectante, criar tempestades no interior do nosso secular calamento literário a que, ao longo dos tempos, nos obrigaram.
Que armas são estas de que dispõe o meu corpo, em si mesmo arma e risco? Solares, inseparáveis e multiplicáveis. Que armas são estas, de interioridades e entrega, inebriantes num universo singular, no salgado chão da inquietude? Onde havia a obediência cega à regras e às interdições literárias, surgiu a insubmissão e o deleite; as intimidades proibidas e exultantes, de valsa de cama aberta, no lençol que vacila, onde o desejo se abrasa.

Que armas são estas de que dispõe o meu corpo, no interior do meu corpo, em si mesmo arma e risco? Radiosas, ofuscantes. De regozijo e exultamento, de chama e perdição. Vento suão a desfolhar cada folha de árvore e cada folha de livro, cada desatino. De alumbramentos. De sangues. De carmim.

As mulheres são as vozes do indizível na literatura. Por isso, elas fogem às regras, a sublevarem o que ainda lhes é (encobertamente) proibido. Transgressão como arte de louvar o saber, de louvar a escrita, de louvar a poesia.

Afinal, que desassossego escondido confessamos quando escrevemos? Que anseios interditos subvertemos ou sublimamos ao criarmos? De que ambição condenada, inquinada falamos, numa inquietação surda e revolvida? Um discurso de deslumbramento e perdição. Capítulo a capítulo, letra após letra, sílaba a sílaba. Memória a memória, quimera a quimera, indisciplinando a linguagem.

 Maria Teresa Horta
 
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*algumas passagens da intervenção de Maria Teresa Horta, na 14ª edição das Correntes d'Escritas. Póvoa de Varzim, Portugal, 22/02/2013.

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