quinta-feira, 9 de agosto de 2012

E há lá coisa melhor?


A mão dela tinha Deus dentro. Apertava-a, beijava-a com a minha mão. 

Há lá coisa melhor do que duas mãos que se beijam?

Com minha mão urgente - minha mão como se uma ambulância - percorríamos as ruas mesmo que fossem as ruas que nos percorressem a nós, simples corpos sorridentes. 

Há lá coisa melhor do que dois corpos que se sorriem?

Sabia, com cada um dos meus dedos, com cada uma das minhas mãos, todos os riscos e ranhuras da mão dela; era ali, no por dentro das mãos que tocava, que ouvia as novidades, que lia os títulos das notícias, de todas as notícias que me importavam. 

Há lá coisa melhor do que ler as notícias na mão que se ama?

Não havia, nos passos que dávamos, qualquer distância andada, nem sequer um caminho a andar; éramos simplesmente caminhantes, viajantes do nosso tempo. E acreditávamos, todos os dias, que o tempo era apenas o instante em que, juntos, parávamos o tempo. 

Há lá coisa melhor do que o instante em que se para o tempo?

Recusávamos as palavras, até os gestos; e era assim que nos contávamos por inteiro.

Há lá coisa melhor do que aquela parte em que nos contamos por inteiro?

Não sabíamos, nunca soubemos, se era muito o tempo, o tempo das horas e dos minutos, que passávamos juntos; sabíamos que era, para nós, todo o tempo do mundo.

Há lá coisa melhor do que sentir todo o tempo do mundo?

Sabíamos que o tempo era suficiente para aguentarmos o resto mais um tempo. Para suportarmos o por fora das nossas mãos. Talvez, no momento em que as mãos se deixassem de amar, houvesse lágrimas, as lágrimas que se deixam cair sempre que algo cai dentro de nós. Mas tínhamos muito claro o desejo de ficar por dentro das nossas mãos para sempre.
E ficamos.


Pedro Chagas Freitas, A mão dela


*


* proponho-lhe um desafio, um exercício de imaginação: se fossemos proibidos amar com o corpo e, para este fim, só pudéssemos usar dele uma fração, qual seria sua parte escolhida? os olhos? os lábios? as mãos? os órgãos sexuais? onde no corpo fica o amor? onde ele se manifesta? onde o guardamos? onde ele é moldado?

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