domingo, 10 de junho de 2012

O tempo é a insônia da eternidade


"Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo. Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar conosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objetos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele - a régua de arquiteto naval, os relógios - quando ele tinha tempo. As pessoas dizem time is money para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente. A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos. Quando penso em meu pai, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ele."

Miguel Esteves Cardoso



"Usa-se o tempo como dá jeito, para esquecer, para crescer, para poupar. Organizando bem o tempo dá para tudo. Há até quem ache que é o tempo que faz o amor, como se fosse uma espécie de evolução ou uma consequência, uma curva-S com introdução, crescimento, maturidade e declínio, tão certinho que até pode ser esquematizado, tão previsível que até satura, o momento entre a maturidade e o declínio e que, falando verdade, também existe. Há quem espere o tempo para poder soltar o amor. Esses são os que padecem de retenção de amor, vivem contidos e medrosos de si e dos outros, mais vale esperar porque o risco é muito grande e muito mau, mais vale a tranquilidade das tardes e o quotidiano dos hábitos porque o meu coração já não aguenta. O nosso amor não é uma evolução mas é um acontecimento, um amor que não se consegue ou não se pode conter. É um amor sem tempo, só com vontades, consome-me a si mesmo em urgência e necessidade, faz ranger dentes e uivar à lua, cria noites e dias dentro de si, num mundo particular e de luz própria. Este amor não se contém, este amor não se poupa."

Mia Couto








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*para "que o breve seja de um longo pensar, que o longo seja de um curto sentir e que tudo seja leve de tal forma que o tempo nunca leve" (Alice Ruiz). ** citação no título: Mário Quintana.

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