quarta-feira, 20 de junho de 2012

Quando um trem entra no túnel e o mundo todo escurece


Há um túnel escuro na luz infinita. 
Ele é chamado de "tempo". 
Quando um humano entra no túnel, 
Isso é chamado de "nascer". 
Quando um pé pisa este túnel, 
Isso é chamado de "viver".

 

Quando um ser sai do túnel,
Isso é chamado de "morrer".
Se considerar que a vida é reduzida a evoluir ao longo deste túnel escuro,
Isso é chamado de "ilusão".
Faça furos no túnel escuro,
Isso é chamado de "ciência".
Se sabemos que há luz ao final do túnel,
A isso chamamos "fé".
Se reconhecemos a luz no túnel escuro,
Chamamos isso de "amor".


Se vemos a luz através do túnel escuro,
A isto chamamos "sabedoria".
Se iluminamos o túnel escuro com nossa própria luz,
Isso é conhecido como "santidade".

Confundir a luz infinita com o túnel obscuro
Isto está além das palavras.






*








* para meus filhos, que frequentemente aparecem com questões existencialistas e de cunho filosófico ** texto taoísta, traduzido desta versão do francês. *** no título, o início da frase da esccritora holandesa Corrie ten Boom - "Quando um trem entra num túnel e o mundo fica escuro, você pula dele? Claro que não. Você deve ficar sentado, firme e confiante na luz que verá ao fim do túnel."

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Sede de intimidade



"Olhe em volta: estamos cercados pela palavra amor.

Há um milhão de livros com esse título, dez milhões de músicas com esse refrão, centenas de filmes e um batalhão diário de novelas que trata do assunto. Pela quantidade de produtos amorosos que nos oferecem, é inevitável concluir que consumimos mais amor do que cerveja, chocolate e televisores de tela plana.

Nosso apetite por amor não tem limites. Nossa sede de amor jamais acaba. Somos carentes insaciáveis. Sonhamos com o amor todas as noites. Acordamos encharcados de imagens doloridas. Dentro de nós se agita um mar de memórias que tem como centro as nossas experiências de afeto. Velhas, remotíssimas, e recentes. Elas nos movem de forma inconsciente. Somos filhos, somos irmãos, somos amigos, somos amantes, somos pais e mães. Todos nós. A cola que liga todas essas situações é o amor.

Um alienígena que chegasse à Terra iria perceber, em dois minutos, nossa abissal vulnerabilidade. Além de água, alimento, abrigo, precisamos desesperadamente de amor - em várias formas, em qualquer forma na verdade. Somos viciados nele. Erguemos nossa vida em torno dele. Do erotismo violento da adolescência aos sentimentos suaves da velhice, nossa existência é uma longa experiência amorosa – ou uma busca desesperada, e muitas vezes cega, muitas vezes infrutífera, pelo amor.

O paradoxo do amor público, industrial, feliz, multiplicado nas redes sociais e nas salas de Multiplex, é que as nossas experiências realmente importantes são incomunicáveis e intransferíveis. Apesar do estardalhaço social, estamos sozinhos frente ao amor. Cabe a cada um de nós encontrá-lo, vivê-lo ou perdê-lo intimamente.

Não é o cinema acompanhado, as noites de sábado com programa garantido, o sexo quando der vontade. Não é ter alguém pra chamar de seu, não são as mensagens de bom dia, muito menos alguém pra quem comprar presente no Dia dos Namorados. Suspeito que o que as pessoas tanto busquem quando dizem que estão procurando um amor é a tão querida intimidade. Aquela coisa de querer dividir vontades, revelar segredos, contar coisas que você não contaria pra qualquer um. Intimidade é abrir a porta para o seu íntimo e deixar que o outro mergulhe nessas águas profundas e, muitas vezes, turvas." 


Ivan Martins

*





*é um comercial da Coca-Cola, sim. [nem sei porque me justifico, sempre é um bom material, apesar de]: é que o cenário é uma biblioteca! e o que pode ser mais íntimo do que ler? (sexo, às vezes...). tem uma pegada tão sensual que simplesmente não podia ficar de fora deste meu cafofo. ** a trilha sonora, também não passa despercebida: Strange Love, Koop. *** no texto, trecho de Os traficantes de amor, escrito pelo colunista Ivan Martins para a revista Época.

O gosto mais amargo? O do fim




"Já passei por alguns rompimentos, dos dois tipos que há.

Tem aqueles em que a gente não consegue respirar sem o contato. Insiste em e-mails, mensagens, lembranças, telefonemas como quem não quer nada, só pra dizer que eu vi um filme que me lembrou você, num fingimento de amizade e naturalidade que a gente insiste em encenar porque quer ser madura. Ou então sufoca o quanto pode, pede por favor, não deixa de me amar, faz vergonha. Esgota até o último bocadinho de amor. Fica ali até secar – até você secar, até não restar nada. E se engana dizendo que nunca mais vai amar. Esses são os mais dolorosos.


E tem aqueles rompimentos em que é fácil sumir. Não procurar ou ser procurada parece até natural. Sim, outra vai ocupar o seu espaço. Outro vai ocupar o espaço dele. Pra que se agarrar ao que acabou? Não tem como jogar a culpa em ninguém. Como a gente faz pouca falta. É espantoso ver como pode ser fácil esse processo de se desvencilhar de alguém a quem se é tão apegada. Esses são os mais amargos.
Que gosto ruim tem isso de ver como era frouxo o nó."


Renata, do Tantos Clichês



*





*na imagem: Body Knots, Howard Schatz

sábado, 16 de junho de 2012

Sofreguidão...


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.




João Cabral de Melo Neto



*





* conhecia deste texto só o primeiro parágrafo e já achava que era tudo. fez-me lembrar deste outro, da Clarice Lispector, que foi me apresentado há pouco [porque tive a sorte, até então em minha vida, de desconhecer a saudade - e o azar de não ter despertado em outrem o mesmo sentimento]: "Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."

domingo, 10 de junho de 2012

O tempo é a insônia da eternidade


"Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo. Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar conosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objetos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele - a régua de arquiteto naval, os relógios - quando ele tinha tempo. As pessoas dizem time is money para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente. A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos. Quando penso em meu pai, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ele."

Miguel Esteves Cardoso



"Usa-se o tempo como dá jeito, para esquecer, para crescer, para poupar. Organizando bem o tempo dá para tudo. Há até quem ache que é o tempo que faz o amor, como se fosse uma espécie de evolução ou uma consequência, uma curva-S com introdução, crescimento, maturidade e declínio, tão certinho que até pode ser esquematizado, tão previsível que até satura, o momento entre a maturidade e o declínio e que, falando verdade, também existe. Há quem espere o tempo para poder soltar o amor. Esses são os que padecem de retenção de amor, vivem contidos e medrosos de si e dos outros, mais vale esperar porque o risco é muito grande e muito mau, mais vale a tranquilidade das tardes e o quotidiano dos hábitos porque o meu coração já não aguenta. O nosso amor não é uma evolução mas é um acontecimento, um amor que não se consegue ou não se pode conter. É um amor sem tempo, só com vontades, consome-me a si mesmo em urgência e necessidade, faz ranger dentes e uivar à lua, cria noites e dias dentro de si, num mundo particular e de luz própria. Este amor não se contém, este amor não se poupa."

Mia Couto








*







*para "que o breve seja de um longo pensar, que o longo seja de um curto sentir e que tudo seja leve de tal forma que o tempo nunca leve" (Alice Ruiz). ** citação no título: Mário Quintana.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

E o que restará?



Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
— Perdoai! — eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia de simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.

Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do próprio reino.

Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.



Vinícius de Moraes, O Haver, 1962



*







* impactada com as imagens deste trailer que vão da mais pura poesia ao grotesco, o medonho, o horror... 

domingo, 3 de junho de 2012

Cortina de Fumaça 4 [edição de tirar o fôlego]


Marilyn Monroe

Yul Brynner 

Marlene Dietrich

Lorna Maitland

Lisa Fonssagrives

Jacques Lacan (quem diria?)

Monica Vitti

Marlon Brando

Paul Newman

James Dean

Anna Karina

Jean-Paul Belmondo

Sean Connery

Brigitte Bardot

Liza Minelli

Tom Waits


Cat Power

Joseph Gordon-Levitt


Robert Pattinson

Dita Von Teese

Joaquim Phoenix

Monica Bellucci

Melanie Griffith e Antonio Banderas

Alexa Chung

Lana Del Rey


David Gandy


Madonna


...











* Cortina de Fumaça, o primeiro, continua como o post mais acessados deste blog, com visualizações de todos os cantos do planeta. A seleção de fotos, imagino, é o segredo de seu sucesso, mas gosto de pensar que a canção do filme Smoke e os versos de F.Pessoa é que acabam por encantar as centenas de leitores que chegaram aqui. Entretanto, foram sempre as imagens antes a me inspirarem - e em todos os outros da série (o 2, com artistas do passado recente; o 3 com celebridades destes tempos). Aproveito para esclarecer que minha intenção não é fazer apologia ao cigarro ou incitar ao vício. Meu desejo é tão somente refletir na beleza e fruição dos sentidos quando nos colocamos à disposição deste objeto, que Freud explicou muito bem: um cigarro é sempre mais que um cigarro... ** Madonna chamou os rapazes do Kazaky pra fumarem com ela neste clipe. Os ucranianos Oleg, Artur, Kyryll e Francesco, que também animaram o desfile da DSquared2, em junho de 2011 - são conhecidos por suas coreografias com apelo sexy, fortes e bem marcadas - sempre em cima do salto 15, agulha! *** ahãm, continuo sem fumar. e invejando os fumantes. muito. muito.