quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sakumi


Tinha também seus pudicismos. Certos assuntos não encontravam morada em sua boca. E não era para ser assim, perguntava-se? Intimidades de alcova, por exemplo, a quem mais poderiam dizer respeito se não a ela mesma? Ao marido não interessavam, óbvio. Havia desistido de procurar o que o interessasse, sempre adormecido, meio morto, meio vivo.

Mas não ela, que o sangue fervia nas veias. E se não falava por respeito, pensava. Ô se pensava. Ruminava. As ideias indo e voltando, sem sair pela boca, só ali, no pensamento, durante o banho, na pia da cozinha, antes de dormir, no trânsito, na fila do mercado, nas reuniões na escola dos filhos, nas salas de espera dos consultórios médicos, nos tempos mortos enquanto olhava o vazio pela janela. Sakumi pensava frequentemente no desejo e no prazer. Dada a sua condição, formara sobre o assunto uma opinião empírica, que prescindia de análises comparativas ou bibliografia especializada; assentava-se apenas na sua vivência pessoal, nas revistas e livros que lera, nos filmes e nas novelas, no pouco que ouvia. Era uma análise sem grande préstimo, na medida em que não servia para os outros. Uma teoria simples, que se adequava à sua vida, explicava as suas atitudes e, especialmente, poupava-a da dor e da humilhação.

O conceito que formulara e que aprofundara com vagar, assentava na primazia do desejo sobre o prazer. Sakumi atribuía uma importância fundamental ao desejo, à gana de devorar o outro, de perpetrar a boca até encontrar um fim, sugar a língua, o interior macio das pernas, tatear com os lábios a curva que se forma entre o ombro e o pescoço. Lamber infinitamente, até decifrar a fórmula exata do sabor e dos cheiros subterrâneos. Era o que lhe satisfazia. E o que, acreditava, valia a pena. Não se pode viver sem desejo, afirmava de si para si. Encarava o prazer, pelo contrário, como coisa menor, um arrepio que chega, mata, desilude, rapidamente esquecido. Os franceses bem nominaram: le petit mort. Vazio, foi assim sempre que lhe pareceu o orgasmo. O desejo, pleno. O prazer, pornográfico; o desejo, poesia. Era uma teoria que lhe convinha. Sakumi sabia que podia viver sem o detalhe cirúrgico da pornografia, mas acabaria por definhar, mirrando até desaparecer, sem a liberdade da literatura.




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* porque li isto aqui.

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