quinta-feira, 14 de abril de 2011

Invenção



O amor é uma invenção, você já deve ter reparado nisso. Uma invenção miúda que passa à margem da vida, embora totalmente necessária. Como são os alfinetes, as linhas e agulhas de costura, ninguém se lembra disso, ninguém vive sem isso. O amor costura, faz bainha de calça, prende botões e ajusta. O que seria de nós sem o amor? Mais solidão, falta do que pensar, sem ter uma saída. O amor é uma saída.

A paixão é uma grande invenção, você já deve ter reparado nisso. E quanto mais inventada mais necessária é. Para tanto existe uma tabela de coincidências, tão urgente à paixão quanto o açúcar aos doces. Vocês são gordos? Coincidência. Descendentes de japoneses? Coincidência. A família imigrou há 200 anos da mesma cidade do Líbano? Coincidência. Gostam da mesma cor? São ruivos? Suas mães têm a letra C no nome? Tiraram as amídalas na infância? Seu filme predileto é estrelado pelo ator que ela mais odeia? Coincidências. Quanto mais coincidência melhor, mais intensa se torna a invenção. Supera obstáculos, cobre vazios e confere energia aos motores flaquitos. O que seria de nós sem a paixão? Puro tédio, noites e noites sem assunto, sem brilho no olhar, sem vontade de sair da cama, para quê? A paixão é isso mesmo, o para quê da vida.

A vida também é uma grande invenção, você já deve ter reparado nisso.


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* do livro, O amor leva a um liquidificador, de Luciana Saddi. Imagem, Toulouse-Lautrec.

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